segunda-feira, 7 de setembro de 2009

brainstorm

(Daniel está sentado em uma poltrona de frente para a TV, comendo pipoca enquanto assiste a um desenho animado – que pode estar sendo projetado na tela ao fundo ou do qual pode se ouvir apenas o som. Um dos braços descansa sobre uma mala onde está o corpo da mãe. Daniel mexe na mala. Quando faz isto, a mão – ou outra parte do corpo da mãe – aparece. Na TV, a vinheta de intervalo da Globo. Daniel desliga a TV e chega perto do público. O controle remoto continua na sua mão. Daniel fala de modo informal, como se fosse o ator quem estivesse comentando).

DANIEL

Mãe é uma só, mas vale por dez, né? O filho pode ser um cretino, pode ser ladrão, pode ter matado o papa que a mãe ta lá na televisão, chorando, dando entrevista pro Faustão falando que o filho sempre foi a coisa mais fofa do mundo. E é verdade. Ela acha mesmo. O filho estuprou, uma câmera filmou o cara por cima da mulher, a mulher se esgoelando de gritar, o cara estapeando a infeliz e a mãe vê aquilo tudo e diz que é consentido, que a mulher ta gostando, que ela mesma, ‘fica só entre a gente, pelamordedeus’, às vezes também fazia uma coisinha assim mais violenta com o marido. O filho ta lá, no Jornal Nacional, sendo algemado depois de roubar um banco e ela se vira pras visitas e diz que é mentira, fala que é armação da Globo, ‘é que o meu filho é de esquerda, sabe, Lurdes, uma anjo de pessoa’. O filho ta lá na sala, comendo pipoca na frente da televisão, a mala com os pedaços do corpo da mãe apertados uns contra os outros e a mãe morta e socada ali dentro se justificando

MÃE

(a transição para a mãe de Daniel é gradual) ‘ele não tinha intenção, sabe?, foi sem querer, ele é um menino tão bom, o que estraga um pouco é a televisão, esses desenhos animados de hoje em dia são tão violentos, né?, olha (aponta o controle remoto, que está consigo desde o início da cena, para o telão onde começa a ser projetado um desenho clássico, Pernalonga ou Pica-pau, sem som), pra que tanta violência?, (a mãe passa a narrar ou comentar a cena projetada no telão, enfatizando os momentos de agressão), olha só, é tiro pra tudo quanto é lado, é tiro de canhão, de espingarda, é bicho matando gente, depois o coitado fica intoxicado com esta porcaria e desiste de fazer exercícios e vai ficando cada dia mais gordo até que explode. A irmã dele, Alice, está modelando em Milão. Queres ver, Lurdes? (pega uma revista famosa, tipo Marie Claire, e mostra a foto de uma top model – ou muda o canal do telão para um canal de desfiles de passarela) Não é a cara do irmão? Eu sempre falei que eles tinham futuro. É só uma questão de esforço. Numa dessas revistas eu li que o melhor jeito de saber se o filho da gente está saudável é medindo o dedinho. Qualquer um, mas o melhor é o indicador. Pega na circunferência. Assim. E depois anota num papel pra não esquecer’
DANIEL

Se eu estivesse sentado ali e a minha mãe estivesse aqui, e se eu tivesse coragem, eu ia mandar ela à merda. Mãe! Ó! (ergue o dedo médio)